O Candido, a Rosa e Eu

03/07/2018

Numa manhã ensolarada da década de 90 o Cândido estacionou seu fuquinha verde 1968 em frente à casa de meu pai, no 573 da rua Pará, meu endereço de resolteiro

O Candido, a Rosa e Eu

Era ele e a Rosa me chamando pra pegar o bonde. Destino: Ilha do Mel. Subi com a roupa do corpo, um violão modelo-praia, nenhum tostão no bolso (eles estavam com o dinheiro do combustivel) e um monte de fitas cassetes: tinha acabado de gravar HUMANO DEMAIS, que eu vendia e mão em mão e bebia de bar em bar.

Quando chegamos em Curitiba eu já tinha composto EU MINTO, com os arranjos vocais que a Rosa ia fazendo pelo caminho (gravamos depois no DINAMITE PURA). Paramos na casa do Roberto Prado (irmão do Marcos, amigaço, a Rosa amava), grudamos no Edilson del Grossi, partimos pra madrugada do Vampiro. Acabamos dormindo no carro e chegamos na Ilha no final da manhã seguinte. Acampamos, procuramos lugar pra tocar, fomos parar num bar de pescadores, o único que tinha por lá nessa época (a eletricidade não tinha chegado, dava ainda pra ouvir estrelas)
Tocamos todos os dias – violão, percussão, o suingue de la Rosa, o Can fazendo uma vassoura de jazz com papel alumínio e a areia da praia (até hoje ele tem prazer de inventar coisas assim).

Ficamos celebres e não paramos de celebrar: no final da primeira semana já comíamos, bebíamos e fumávamos às expensas das nossas músicas – a turma de doidos que frequentava a ilha nesse tempo tinha se encantado com as músicas que eu ia inventando na hora, falando da ilha, da pesca, das pessoas, do que pintasse. Voltamos pra casa sem nenhuma fita, algum dinheiro no caixa e a vontade renovada de gravar meu novo repertório.

Quando o Candido resolveu vir pra São Paulo, demos a maior força- e quando vim de mala e cuia pra minha segunda dentição na Paulicéia, foi o Can quem acolheu a mim, Rosa (que tinha mudado pra Sampa e acabado de ganhar a Manu), Celmo, o Edu, Marquinho. Fomos todos morar na casa dele na Lapa – nascia ali o Bando do Cão Sem Dono.

Hoje à noite o Can vai abrir novamente as portas de sua casa para minha música, que é muito dele também. Já tem uns quatro anos que ele transformou o porão de sua casa num inusitado ponto de encontro de músicos de todos os matizes, idades, cores, gêneros, nacionalidades (de vez em quando aparecem umas francesas lindas por lá). Fica na Cardeal Arcoverde e o som começa às 10 da noite. Vou tocar músicas do OUTROS PLAN OS, meu disco novo – mas quero também matar as saudades daquelas coisas lindas que a gente fazia na unha, a Rosa, o Candido e eu.